Tropicália, ia acontecer a exposição Nova Objetividade Brasileira. Começamos a conversar e ele me convidou para ir ao seu ateliê. Então comecei a frequentar a casa do Oiticica, onde eu conheci Rogério Duarte, Torquato Neto, Ivan Cardoso,...
moreTropicália, ia acontecer a exposição Nova Objetividade Brasileira. Começamos a conversar e ele me convidou para ir ao seu ateliê. Então comecei a frequentar a casa do Oiticica, onde eu conheci Rogério Duarte, Torquato Neto, Ivan Cardoso, enfim, vários amigos, e todos frequentavam a casa dele. Um dia, Lygia Pape também apareceu, eles já eram amigos do Movimento Neoconcreto e do Grupo Frente. De imediato, quando conheci Lygia, bateu uma empatia muito grande, bateu algo bastante forte porque ela tinha um poder de comunicação extraordinário. Ela realmente era uma pessoa muito comunicativa, muito inteligente, despojada. E muito linda porque tinha um rosto redondo, um olho brilhante, uma energia muito boa. Enfim, era uma pessoa maravilhosa de se conviver. Começou ali uma relação muito forte com ela, com Hélio Oiticica, com Mário Pedrosa, com o grupo que estava lá. Você chegou a acompanhar alguma das aulas da Lygia? De arquitetura? Essas aulas externas que ela fazia na favela da Maré, por exemplo? AM: Eu não, mas vi algumas de suas aulas na Universidade Santa Úrsula e eram extremamente criativas. Ela chamava "pesquisa de campo". Tinha essa coisa poética de: "Vamos pra pesquisa de campo". E ia para o subúrbio, que ela adorava, com um fusca cor de café com leite: Madureira, Bangu, enfim... Lygia andava em tudo que era lugar; e no subúrbio porque tinha ali uma energia que lhe interessava. Quer dizer, tinha ali toda uma criatividade que ela captava e possivelmente aplicava em seu trabalho. RC: E a dimensão construtiva? Pois há uma poética construtiva de outra espécie, e muito forte... "a liberdade precisa ser conquistada" | entrevista com antonio manuel 36 AM: Era uma fonte, ou melhor, para Lygia era um alimento. Assim como o mercado de Madureira a alimentava muito. Eu fiz alguns trabalhos assim com Lygia. Por exemplo, no filme que ela realizou chamado A Mão do povo, que era um pouco essa ideia da cultura popular que pode virar uma coisa erudita. A Mão do povo era simplesmente um filme que mostrava o que cada um realizava com uma lata de óleo: o cara pegava a lata de óleo, cortava e dali saía uma flor, depois cortava outra tira da lata de óleo e saía outra flor, e ia fazendo arranjos com essas latas de óleo. Ou um outro que pegava um cipó e fazia mandalas. Enfim, é a mão do povo... E esse trabalho eu fui chamado para fazer com Lygia. RC: E o Wampirou? AM: Wampirou foi outra experiência, um pouco mais vanguarda. Não teve essa origem tão marcante na cultura Kitsch que entusiasmava Lygia. Ela gostava era dessa pesquisa de campo, sair pelo subúrbio. Fiz algumas dessas pesquisas com ela e me lembro que no Sumaré, por exemplo, ela olhou a montanha e visualizou uma espécie de buraco cavado na terra, e começou então a ressoar O Homem e sua bainha. Era uma terra de barro. Paramos o carro, eu fiquei olhando aquele buraco, e ela -já teorizando O Homem e sua bainha -me pediu para raspar aquela terra. Há um registro disso que deve estar no Projeto Lygia Pape. RC: É você cavando o buraco na cena inicial de O Homem e sua bainha? AM: Eu vi uma vez na vida, depois nunca mais. RC: Eu revi recentemente... AM: E aí eu fiquei raspando como se fosse um útero... Aquilo se dava de forma efêmera. Muitas coisas que a gente fez juntos foram efêmeras, aconteceu e acabou, ficou na memória. Esse parece que foi registrado. RC: Vocês que registravam? AM: A própria Lygia Pape registrava. Teve outra experiência com uma cachoeira. Se me lembro bem, no caminho de Petrópolis tinha uma cachoeira maravilhosa com essa energia própria da água... Lygia me pediu para atravessar essa cachoeira (porque dava para atravessar); passava-se por um véu d'água e se desaparecia ali. Esse foi filmado. Entrei e sai na água, vai e vem, e ficou aquela energia forte. Nessa época eu usava um cabelo muito grande, estilo Hair, Beatles, interessante porque ficava aquela água nos meus